top of page

paula landim_

Paula é professora do departamento de Design na UNESP, formada em Arquitetura e trabalha com linhas de pesquisa como o desenho do objeto, projeto de mobiliário, história do Design e teoria e crítica do Design. Para ela, a visibilidade profissional das mulheres já está no caminho da mudança, mas, não na velocidade que a geração mais nova gostaria. Ela também conversa um pouco com a gente sobre a sua postura em relação aos empecilhos vividos em sua vida profissional e acadêmica.

Dentro do design e da arquitetura existe a preocupação em criar relação entre o indivíduo e o objeto ou espaço. Tendo em vista que os homens criaram a maioria das coisas, como fica a construção dessa relação para a mulher?  E qual a importância de se ter mulheres nessa posição de criação?

 

Na verdade, eu não sei se realmente a maioria das coisas foram criadas por homens, não poderia afirmar isso com 100% de certeza. Sei de coisas que, historicamente, no âmbito doméstico, que foram criadas por mulheres (...). Um exemplo que, para mim, é muito presente no meu histórico que é o caso da Aino Aalto, primeira mulher do Alvar Aalto: enquanto ele fazia a parte grande das construções, apesar dela também ser formada em Arquitetura, a parte de louça do dia-a-dia é um projeto dela. E, assim como vocês já devem ter visto, historicamente existem outras mulheres, mas, isso acaba ficando invisível, e não é só no design. E ela foi super parceira dele e depois acabou falecendo, e ele foi desenhar jóias para a segunda mulher que era muito mais moça que ele (...)

 

A minha trajetória pessoal é muito particular, porque eu não estou no mercado, então, não são coisas que me aborreceram. Tive dificuldades, mas, se eu fosse médica, advogada, administradora de empresa, eu também teria essas dificuldades de ter casa, família, marido e trabalhar fora, não necessariamente por estar nessa área. Mas, uma coisa que eu acredito é que é uma questão fisiológica do cérebro: homens e mulheres veem e percebem as coisas de maneira diferentes. Isso não sou eu falando – os próprios jogos para meninos e para as meninas são diferentes – e não para estigmatizar, mas porque realmente o cérebro se organiza de uma maneira diferente. A gente se prende a mais detalhes (...)  

 

Ainda sobre a questão dos objetos, nós lemos um artigo no Jornal Nexo que comentava sobre esse mundo feito por homens e para homens e as consequências disso. Por exemplo, os bonecos de teste usados pela indústria automobilística para definirem a eficiência de seus cintos de segurança e air bags, simulam o biotipo e o peso de um homem médio, e isso faz com que a mulher tenha mais chances de se machucar em acidentes de carros. No artigo também falava que a regulação automática da temperatura do ar-condicionado é feita com base em um cálculo de temperatura corporal que leva em conta o corpo masculino, o que leva as mulheres a sentirem mais desconforto em temperaturas do que os homens.  (Clique aqui para ler essa matéria.)

 

Assim, o cinto de segurança na verdade, ele é feito para atender pessoas em um intervalo –  levando em consideração pessoas entre 1,60m e 1,90m – então, é lógico que, para pessoas com menos que 1,60m o cinto de segurança passa na jugular (...); gente muito alta também tem problemas com cinto de segurança. Em contrapartida, tem outras coisas que foram realmente as mulheres que levaram para a indústria automobilística – esse monte de “porta-treco”, espelhos nos dois quebra sol. Assim como esse negócio do ar condicionado não é uma questão de se você é homem ou mulher, é uma questão de massa corpórea e não porque você é homem ou mulher, mas sim se você pesa mais ou menos.

Talvez o parâmetro tenha sido realmente o universo masculino, mas tem essa contrapartida do espaço interno do carro.

 

Você acha que as mulheres designers têm a mesma visibilidade que os homens na mesma área?

Por quê?

 

Não, eu não acho. Porque não têm em nenhuma área – não é uma questão do Design ou da Medicina – não têm em nenhuma área. Seja por uma escolha, ou por uma falta de opção, não adianta: vai sempre chegar em um determinado momento em que as mulheres vão ter que fazer uma escolha que os homens não têm. Por mais que as coisas tenham mudado e evoluído, não é na velocidade que a geração de vocês (inclusive a minha própria filha) imaginam. E, por mais que eu tenha dito teoricamente, vocês vão se ver em uma situação dessas na prática – como a minha filha, quando resolveu morar com o namorado, rapaz esse que preenche todos os pré-requisitos do que deveria ser um rapaz da atualidade, com visões completamentes diferentes do que eram no meu tempo, mas, na hora do vamos ver a responsabilidade é dela. É aquela coisa: bem-vinda ao meu mundo. Se vai mudar ou não, não é na velocidade que deveria. Não sei nem se é na velocidade que deveria, porque confesso que tem dia que, “pelo amor de deus”, quem enfiou na minha cabeça que eu tinha que me preocupar com a vida (...)

 

E na nossa sociedade existe essa responsabilidade atrelada a mulher perante as questões familiares como casar, ter filhos e etc. Olhando para a sua geração, quais são as problemáticas que isso pode acarretar na carreira profissional feminina?

 

Olha, eu sou de uma geração que fica meio intermediária nessa situação. A minha mãe trabalhou fora durante 40 anos, mas ela é de uma geração em que isso não era normal. Inclusive, no ano em que eu nasci (1962), ela precisou pedir autorização para o meu pai para trabalhar fora de casa: uma mulher casada, naquela época, tinha que pedir autorização por escrito para trabalhar fora. Não que meu pai tenha impedido ela, mas ele é uma pessoa que acha que tudo é responsabilidade dela, não que ele não tenha. (...) E, quando eu paro para pensar, a minha geração era mais avançada – ou eu – mas, uma coisa que eu percebia, é que a gente tinha o maior desprezo por aquela colega que preferisse ficar em casa por opção.

 

Hoje em dia, eu já acho saudável, eu gosto daquela mulher que, se ela quiser, ela pode dizer: “Não, isso não está valendo a pena, eu vou ficar em casa e tenho um parceiro que vai me apoiar”. Então, eu acho que ,antigamente, era muito complicado – é só você ver a realidade dos filmes da época – você tinha que ser fantástica. Hoje em dia, você já pode se dar ao luxo de não ser fantástica, e eu acho que isso é uma coisa boa (...).

E no seu campo, você chegou a vivenciar alguma forma de impedimento, fragilidade ou dificuldade por ser mulher?

 

Eu enfrentei situações, mas eu bati de frente e me vinguei. Inclusive, quando eu era aluna, nós fizemos um trabalho de uma disciplina optativa, em 1982, em que o professor veio com uma proposta para os alunos formarem um grupo para fazer um levantamento na Vila de Paranapiacaba. E eu fui para o trabalho de campo junto com mais três rapazes, e era uma situação precária: ficamos uma semana lá em um quarto no escritório em que a gente pudesse levar os sacos de dormir.

 

E já começou aí: como que eu estava dormindo com mais outros três rapazes. Nós fomos com um dos professores acertar onde poderíamos fazer as nossas refeições – ficamos o dia inteiro resolvendo isso –  e eu, muito distraída não percebi, mas, depois fui me tocar que esse professor durante o dia todo não me dirigiu a palavra. Aliás, ele não me dirigiu a palavra e o olhar em nenhum momento da semana. Mas, eu andava para baixo e para cima, fazia os levantamentos, dormia junto dos

meninos (...)

 

E esse trabalho de aluno foi, de certa forma, uma coisa relevante e importante da gente apresentar, e cada um tinha fotografado e era responsável por suas imagens para compor o trabalho. Me perguntaram se eu iria participar, e eu falei: “Se vierem me pedir, eu vou; se me olhar no olho e pedir, eu vou. Se não, vocês se virem porque o meu material eu não cedo”. Até hoje não foi apresentado.

 

(...) Agora, aqui eu não tive esse problema (...) Digo eu, porque tem algumas coisas que são muito particulares, mas, eu nunca deixei me intimidar (....)

 

É um pouco difícil às vezes ter essa autonomia. A minha mãe saiu de casa muito cedo e ela tinha que ser muito forte e também muito afrontosa para não ter que passar por essas coisas. Eu me inspiro muito nela (...)

 

(...) É uma coisa de geração, né. (...) Era essa questão do enfrentamento, e ver até onde realmente você conseguia chegar, em todos os aspectos. Não que eu não tivesse medo, mas, muitas vezes, eu fui fazendo. Por exemplo, dez anos atrás meus filhos eram adolescentes, e eu me mudei para o outro lado do globo, fui morar na Finlândia. “Ah, mas você não tem medo?” essa nunca fui uma palavra do meu vocabulário (...).

 

É aquilo você tinha que fazer, você tinha que fazer e pronto, cada uma da sua maneira. A gente teve que fazer. A Professora Lucy Niemeyer conta que ela foi um dos primeiros escritórios de Design a importar um equipamento Macintosh; o pessoal fazia fila no escritório dela. Já pensou?   

 

E qual a importância de discutir esses assuntos dentro da universidade?

 

Olha, toda discussão sobre qualquer assunto, é bem-vinda dentro da universidade. Acho que é o espaço – o próprio nome diz –  é questão do que é universal, e de onde se gera o conhecimento em qualquer lugar do mundo. Só que, às vezes, eu fico um pouco preocupada de se, realmente – e daí não é uma questão de vocês, ou da geração de vocês, ou dos alunos – mas se realmente existe o que deveria existir que é o básico: o respeito à opinião que é diferente.

 

Às vezes eu sinto um certo patrulhamento – seja político, ideológico, seja de gênero ou seja até mesmo de faixa etária. De repente, se você se posicionar de uma maneira mais tradicional, você já é taxado de preconceituoso, de arcaico e de qualquer coisa assim (...). Até porque, às vezes, eu tenho uma opinião – não que eu ache que ela seja errada ou que seja muito diferente – mas, acho que, justamente, pode gerar uma reflexão. (...) E é uma questão que a idade, nesse ponto, é uma coisa maravilhosa: você troca o “não foi isso que eu quis dizer” por “entenda como quiser”.

 

Estamos fazendo um levantamento histórico de mulheres importantes no design, pode ser na arquitetura também, você poderia nos dar alguns nomes?

 

Olha, é que no fim não adianta, a gente acaba lembrando só dos nomes das pessoas que foram pioneiras e que se destacaram. A gente sabe realmente que, com facilidade, você encontra, principalmente em outros países, na época da bauhaus, mulheres e artistas plásticas que tinham um papel significativo e que foram menosprezadas – o próprio caso da Aino Aalto, como acabei de comentar. Eu poderia até puxar um pouco pela memória, mas assim de cara para responder para vocês eu não lembro exatamente do nome. Mas, também, o que eu poderia dizer para vocês é que vocês podem procurar que acham com facilidade.

"Vai sempre chegar em um determinado momento em que as mulheres vão ter que fazer uma escolha que os homens não têm."

2018 Projeto D.elas: Projeto de conclusão de curso - Faculdade de Artes Arquitetura e Comunicação UNESP

bottom of page