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Mariana é estudante de Design na Unesp em Bauru e designer de criação da marca Chica Brasil. Para ela, o universo da moda ainda precisa mudar muito em relação ao respeito à diversidade e à inserção de mulheres no mercado. Principalmente nos cargos de liderança, esses responsáveis por tomar a maior parte das decisões dentro da empresa.

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Quando começamos a pesquisar sobre a indústria criativa, vimos que apenas 11% dos líderes dessas empresas são mulheres, e isso se repete na moda. Gostaríamos de saber o que você pensa sobre homens ocupando esses cargos de chefia mesmo em áreas predominantemente femininas?

 

É realmente complicado, principalmente quando você produz moda voltada para o público feminino. Uma coisa é você produzir de algo que você tem extremo contato e conhecimento. Por exemplo, se você vai vestir o corpo de uma mulher e você é uma mulher, você tem uma relação e uma história diferente com aquele corpo, você vai lidar com ele com um tato e um respeito diferente. Mas, quando esse líder é do gênero masculino, você já pressupõe que ele não irá lidar da mesma forma.

 

Isso nós vemos muito na alta costura aqui no Brasil: um dos nomes que escutamos muito é o Reinaldo Lourenço (produz alta costura para o vestuário feminino) e o contato que eu tive com ele em palestras foi extremamente negativo, vi que o processo criativo dele é totalmente diferente do processo de uma Flavia Aranha, por exemplo. O sentimento que ele coloca nisso é completamente diferente.

 

Na criação em si, o ramo da moda é dominado por homens. Gostaria de saber a estatística desses homens que são homossexuais e os que são héteros, porque existe essa questão também, do homem homo se sentir mais próximo da mulher, mas, na verdade isso é um pouco prejudicial – porque ele se coloca num papel feminino por ser homo, mas, na verdade ele ainda é um homem, então existe essa questão.

 

Um dos pontos que vimos a respeito dessa falta de mulheres na liderança, além do “clube do bolinha” que seria homens tenderem a indicar e contratar homens, também existe essa imposição social na mulher perante a constituição familiar, de casar, ter filhos e etc. Olhando para a nossa geração quais são as problemáticas que isso pode acarretar para uma carreira profissional e o que já vem mudando?

 

Vejo na geração da minha mãe (54 anos), existia realmente esses dois caminhos: seguir a carreira profissional ou constituir família. Ela, a princípio, foi para o caminho da maternidade – casou super cedo e teve várias crianças, mas, foi estudar e ter uma carreira quando eu já era grande. Já para a nossa geração eu vejo que temos até uma questão de retomada, nesta geração em diante fica realmente complicado, porque nós pensamos assim: “se eu quiser casar e ter filhos quando eu vou conseguir fazer isso? Porque primeiro eu quero fazer mais uns três mochilões, tenho que ganhar meus primeiros R$15 mil antes dos trinta anos; quando que eu vou ter o meu primeiro um milhão, dai eu posso ter o meu primeiro filho”. Aí a gente percebe que realmente não vai dar para fazer tudo, vamos ter que escolher um caminho, como a geração passada.

 

Mas, se eu pudesse pensar em uma tendência do que a nossa geração faria de diferente, acho que vamos viver um momento de retomada desses valores. Sinto que isso está muito próximo, pois se olharmos a onda do Instagram – a mídia mais usada hoje para tudo – vemos a quantidade de blogueiras, de mulheres influentes que fazem questão de mostrar que estão com os filhos delas, fazendo todas as atividades que elas fazem e sendo mãe.

Então, acho que vamos começar a conseguir conciliar.

 

Acho que é até uma tendência das empresas deixar isso cada vez mais à vontade para a mulher. Antes, você ia em uma entrevista de emprego, e, se você estivesse em uma certa idade e formada, perguntariam se você tem um relacionamento estável, se é casada, e se pretende ter filhos; e, hoje, isso já é proibido, rola um “processinho”. Essas multinacionais e grandes empresas já estão buscando ter creches dentro da empresa ou auxílio creche. Então, acredito que a tendência é conciliar os dois e, não, separar. Isso é muito legal, isso inclui a mulher no mercado de trabalho.

 

Esse papel de escolher cai só nas costas da mulher e vemos que isso não tem que ser um papel só nosso de abdicar e escolher.

 

A questão paterna também tem mudado bastante. Antes era licença-maternidade, mas, e a licença-paternidade, não existe? O filho ainda é uma responsabilidade exclusiva da mulher? Esses são outros fatores que têm mudado. Ao meu ver, a tendência é que, com a nossa luta, com o nosso esforço, com isso que a gente está fazendo agora, tudo melhore. Não sei se tenho uma visão muito esperançosa do mundo, mas a gente precisa ter.

 

Você já sofreu alguma fragilidade, dificuldade ou impedimento por ser mulher dentro de ambientes profissionais ou na universidade?

 

Todo mundo já, né? Não tem como falar que não. Dentro da universidade mais do que dentro do ambiente de trabalho, até porque passei mais anos no ambiente universitário. Obviamente, todos vindo de professores e superiores homens e, dentro do mercado de trabalho, até por superiores mulheres.

 

Dentro do ambiente acadêmico aconteceu mais o abuso, a invasão de espaço e os elogios desconfortáveis. Na área de trabalho, seria mais o questionamento do seu potencial – o famoso mansplaining – que seria o mais corriqueiro de todos, dentro da moda inclusive. Não sei se por uma questão de experiência – pois sou uma pessoa extremamente nova no mercado de trabalho, e muitas coisas das quais eu me envolvo são para aprender – mas, também tem coisas que você pode agir que não necessariamente você precisa ter um milhão de anos de carreira, você simplesmente quer trocar experiência, você precisa ser escutada e é aquela coisa: a pessoa te interrompe, contorna em cima e fala exatamente a mesma coisa – o mansplaining.

 

Na empresa que estou agora, normalmente tenho meu material barrado por um superior. Eu tenho dois superiores: uma mulher, Diretora de Criação – e, em teoria, é ela que vai selecionar o meu trabalho – mas, não é dessa pessoa que vem esse corte. Na verdade, é de um outro executivo (acima dela), que não tem nada a ver com criação e com estilo (ele lida com a parte administrativa), e essa pessoa passa o seu poder de escolha por cima do da Diretora de Criação, que passa por cima da minha escolha.

 

Então, na verdade, se você for parar para ver, tudo o que está gerindo a empresa não está dividido por setores e as suas devidas responsabilidades: é um poder concentrado em uma única pessoa, o que é engraçado porque é a única figura masculina da empresa. Todo o resto são mulheres – todas as costureiras, diretoras de criação, as designers, o marketing, o financeiro e as modelos. É uma equipe inteira de mulheres que trabalham duro e que muitas vezes têm o seu trabalho jogado fora por um: “Não gostei, não quero isso na coleção da minha empresa” – mas, é uma pessoa que não tem qualificação para fazer essa escolha.

 

E como é para você estar inserida nesse meio e ter que lidar com essas questões que ainda são muito opressoras em relação à mulher na moda. Por exemplo: o padrão estético, estilo de vida, essa beleza inalcançável. Como é o seu contato com isso estando nesse meio?

 

Essa é uma das partes mais delicadas, porque onde eu trabalho é produção de moda praia – e moda praia e lingerie são os setores da moda que mais expõem o corpo, e que a mulher se sente mais vulnerável. Então, é uma posição muito importante para nós, para trabalhar com o conforto da mulher, tentar levar segurança para ela nessa peça que, normalmente, deixa a gente muito desconfortável.

 

Só que, dentro do próprio setor, moda em si é bem escroto, né? Vamos combinar que, às vezes, você tem que colocar um filtro, porque você escuta muita merda o tempo todo. Principalmente quando é aquilo que eu falei: de um designer homem que não vai ter a mesma sensibilidade e o mesmo tato para lidar com o público feminino. E eu escuto muito de designers homens, falando com uma naturalidade absurda, que determinada roupa é para "gorda". E não é assim, o mundo não é o seu modelo 34 – você produz coisas para as pessoas reais e elas não têm esse corpo que desfila na sua passarela.

 

Na minha cabeça, com essa pergunta passam momentos muito específicos: de quando você lida com escolha de modelo para fazer catálogo; quando você vai produzir algum modelo e tem que pensar se é para manequim P ou G; ou para quem tem muito busto ou pouco busto. Você tem que buscar sempre uma moda inclusiva, ainda mais por moda ser um setor tão excludente.

 

Você tem alguma designer mulher que seja referência para você?  

 

De moda eu gosto muito da Flavia Aranha que eu citei. Ela faz slow fashion – moda extremamente consciente – e trabalha suas peças de uma forma muito poética. A Glória Coelho eu aprecio o trabalho dela como um todo esteticamente, mas não tive um contato maior para saber qual a relação dela com as mulheres. E não de moda, mas de acessório, a Miriam Korolkovas, ela também é essa mulher super consciente e acessível.

"Ao meu ver, a tendência é que, com a nossa luta, com o nosso esforço, com isso que a gente está fazendo agora, tudo melhore."

2018 Projeto D.elas: Projeto de conclusão de curso - Faculdade de Artes Arquitetura e Comunicação UNESP

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