D.elas
Lucy possui graduação em Desenho Industrial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1972) (uma das primeiras turmas do curso no país); graduação em Formação Pedagógica em Inglês pela Faculdade de Educação Letras e Artes Notre Dame (1985); mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1995) e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002). Possui 14 livros publicados e 208 itens de produção técnica. Participou de 18 eventos no exterior, e 100 no Brasil. Tem experiência nas áreas de consultoria, projetos, pesquisa e ensino do Design, atuando, principalmente, nos seguintes temas: projeto de produto, semiótica, interação, e comunicação. Em sua entrevista, ela nos conta como foi, na época, seu ingresso na área; sua visão sobre a invisibilidade feminina no design; além de também trazer vários nomes de designers brasileiras que valem a pena conhecer.
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Você se graduou em Design em uma das primeiras turmas do país nos anos 70, como foi a sua inserção na área? E como era a participação feminina na época?
O primeiro modo de inserção foi durante o curso, eu fiz alguns projetos com alguns professores – especialmente um que já é falecido, Orlando de Souza Costa – o que foi muito útil pra que eu aprendesse, ao vivo, o procedimento de desenvolvimento de projeto, e a própria relação com o cliente; porque ele fez trabalho de identidade visual para empresas de grande porte, então, pra mim, isso foi muito útil, e foi assim com muita gente.
Quando acabou o curso, comecei a trabalhar com colegas. Primeiro, foi em um escritório com uma colega, e nós procurávamos trabalhos como prestação de serviço de Design e Publicidade, que era nosso intermediário, porque os próprios clientes naquela época não tinham ideia do que seria o design e que tipos de serviço a gente poderia fazer, então, a inserção foi por esse meio. Éramos duas mulheres: eu e a Regina Gomes Pereira.
E, sobre a participação feminina, na época, era muito pequena. Pra começar era pequena pelo próprio Design, que era muito incipiente, né. Eu acabei o curso em 67, fui da 2ª turma formada, a participação feminina era praticamente zero. Nós fomos realmente as primeiras a fazer esse tipo de atuação.
Dentro das salas de aulas nos cursos de Design, vemos que a porcentagem de homens e mulheres é praticamente a mesma: sendo homens 55% e mulheres 45% segundo a pesquisa do Censo da Educação Superior publicada pelo Jornal Nexo em 2017. Porém, quando vamos pensar em designers reconhecidos, temos certa dificuldade para lembrar de nomes de mulheres. Por que você acha que isso ocorre? Existe uma invisibilidade em relação às mulheres designers?
Essa invisibilidade, eu não vejo muito bem assim não. Eu posso te dar uma lista de grandes mulheres designers no Brasil (poucas delas já mortas), inclusive, uma Brasileira que atingiu um ponto de destaque internacional que é a Bea Feitler, que é do hall da fama da AIGA – uma das maiores consagrações internacionais – e é uma Brasileira. Então, acho que tem vários nomes que me ocorre assim de pronto: Ana Couto, Vera Bernardes, Ana Soter, Priscila Farias, Luciana Martins, Jacqueline Terpins, enfim, o que não falta é mulher. (...) Eu acho que visibilidade é mais por desconhecimento. Há muitos homens designers, há um contingente maior, e várias mulheres sócias de homens em empresas de Design.
Como qualquer área profissional, as mulheres têm ainda, como é de conhecimento geral, uma posição que é onerosa para conquista de lugares, sobretudo na área de empresas: o problema da maternidade, a questão do tempo, e o quanto as mulheres abriram mão – deliberadamente, ou por contingências – do seu percurso profissional, priorizando uma vida pessoal. Mas, se você pegar, tem um número substancial de mulheres com grande destaque na área do Design; não são poucas, falei só algumas que me lembrei agora. Essa invisibilidade não sei se é tão invisível assim: as mulheres são muito presentes no cenário do Design, na área acadêmica, de pesquisa, produção científica.
Você chegou a vivenciar alguma dificuldade, impedimento ou fragilidade sendo mulher no seu
campo profissional?
Não, nunca me senti discriminada por ser mulher no âmbito profissional, nunca fui vítima de assédio de natureza nenhuma, nenhum tipo de constrangimento. Ser mulher não me causou, no quesito profissional, nenhum tipo de desagrado, desconforto, situação de constrangimento. Sempre me senti muito à vontade para ser quem eu sou.
E nós temos um dado feito pelo 3% Movement, que apenas 11% das líderes da indústria criativa são mulheres, por que você acha que existem poucas mulheres em cargos de liderança?
Eu não conheço bem o que é o percentual do que seriam essas indústrias criativas. As indústrias criativas que eu vejo, que eu tenho contato, há uma presença massiva de mulheres, inclusive, com o compromisso de inovação social, de empoderamento, elas estão tendo uma ação muito grande. Eu não sei que tipo de indústria criativa é essa, porque é uma expressão muito ampla, um âmbito muito grande.
A presença masculina é maior até mesmo por uma tradição machista, em que alguns cargos são dados preferencialmente para homens em setores mais conservadores, por isso me espanta um pouco esse dado em indústrias criativas – pelo menos, do que eu ouço falar, a presença da mulher é muito intensa. Eu não tenho o que falar porque não sei que dados são esses, e que indústrias criativas são essas.
Sim, geralmente são equipes formadas por mulheres, mas, quando se chega aos postos de liderança, eles são predominantemente ocupados por homens.
Sim, mas, repetindo pela terceira vez, nós vivemos em uma sociedade machista. Então, a mulher, pra marcar território, tem que demonstrar uma competência e uma determinação de ocupar espaços. E, essa decisão de não privilegiar uma vida profissional, ela muitas vezes se torna incompatível às situações domésticas. Tem uma tradição em reuniões ditas de pais, só irem mães. Isso é sintomático.
Existe uma responsabilidade da mulher perante a família, dela cumprir aquele papel “biológico” da maternidade e o percurso tradicional de casar e ter filhos. E isso acaba influenciando a carreira feminina em vários aspectos.
A cabeça de mulheres e homens são formadas por pais, certo? Principalmente por mães e pais, então, se você tem um modelo de uma ética familiar que a responsabilidade parental é exclusiva da mãe ou da mulher, isso realmente se reproduz ad infinitum. O que precisa mudar é a cabeça dos homens, e as mulheres mudarem a cabeça dos seus parceiros também.
Quais designers mulheres você destacaria na história do design brasileiro?
Acho esse negócio de inspirações meio complicado, sabe. Tenho muitas pessoas que eu admiro profundamente, em vários âmbitos, de vários modos, mas eu acho que não tenho uma inspiração “Ah, eu quero ser quando eu crescer, quero ser como fulano”. Tem pessoas que eu vejo que tem uma atitude brilhante, que eu vejo com grande respeito, com grande admiração, que eu já citei o nome: Jacqueline Terpins, que teve uma trajetória muito bonita; a Cecília Consolo, de São Paulo, que também teve uma trajetória interessante; Valéria London, que tem um trabalho muito grande, social e de categoria; a Heloísa Crocco, que tem um trabalho fantástico.
Mas, como inspiração, não é um mote muito meu, até mesmo por uma questão de idade. Como eu fui uma das primeiras aqui no Brasil, não tinha muita gente na minha frente. Não que não merecesse nem nada, mas, não havia mesmo.
(Término da entrevista)
“Eu queria só destacar que essa minha última resposta, isso não é nenhuma vaidade minha que eu não sou melhor que ninguém não. Eu realmente não tinha muitos modelos a seguir. Eu posso ter modelos olhando para trás, pessoas que eu tenho grande admiração. Uma que é bem jovem que é a Helena de Barros, ela merece meus aplausos, mas não posso dizer que eu me inspiro nela, pois ela não tinha nem nascido quando eu me formei.
E queria sublinhar a questão também de um preconceito cultural de uma sociedade machista e discriminatória. O fato de eu não ter me sentido prejudicada por ser mulher, eu posso até considerar como caso de exceção. Os postos que eu alcancei, seja numa empresa, seja em empresas de médio ou grande porte, não quer dizer que tenha sido para todas assim não, há uma cobrança presencial da mulher em geral, seja designer ou não, em relação a filhos, a cuidar dos pais, a cuidar da casa, isso é algo que está em mudança.
Espero que cada vez se torne melhor. Esses dias, escutei um comentário de que o marido não ajuda nada em casa, e uma pessoa que estava próxima falou “Não, ele não ajuda, ele faz parte, ele mora na casa, ele tem os compromissos dele também. Ajudar é quando você faz alguma coisa que não é da sua atribuição”. Precisamos de maridos que não ajudem em casa, e que sim tomem parte da atribuição que é da família, do casal. Mas isso também é outra batalha a ser ganha pelas mulheres né. (...)
Vou contar uma história pra vocês: quando eu já tinha filhos grandes (...) me pediram uma entrevista para um trabalho que estava sendo feito para um doutorado em psicologia. A pesquisadora estava estudando a questão das mulheres, e mulheres que estavam na mesma faixa etária que eu estava na época. Havia alguns parâmetros que ela determinava para a entrevista: idade de tanto a tanto; se tinha feito um curso superior; que trabalhasse na área na qual tinha se formado. Enfim, ela me fez uma série de perguntas, e eu perguntei pra ela quando terminou: “Queria saber por que você determinou esses parâmetros – faixa etária, ter ensino superior e trabalhar na área”, e ela respondeu “Nessa faixa etária, as mães delas, em geral, não fizeram curso de nível superior, e se por acaso teriam feito, não trabalhavam na área. As pessoas que eu estou entrevistando não tiveram modelo de mãe que estuda e trabalha”. Então, essas mulheres que seriam exemplares, desenvolveram uma vida sem modelo, não têm a mãe como referência. E eu percebi, depois dessa entrevista, que na minha família – eu era a caçula – eu tinha sido a única que tinha saído do ensino médio e ido direto para o curso superior e trabalhado desde que me formei. Algumas mulheres da minha família fizeram o curso superior, mas, depois, umas trabalhavam, outras não, enfim. Então, isso é uma questão: a gente tem que se reinventar, e reinventar sua vida não é muito fácil”.
"Como qualquer área profissional, as mulheres têm ainda, como é de conhecimento geral, uma posição que é onerosa para conquista de lugares, sobretudo na área de empresas."
"O fato de eu não ter me sentido prejudicada por ser mulher, eu posso até considerar como caso de exceção."