top of page

Mônica atua como Professora Assistente Doutora na UNESP, no Departamento de Design. É Coordenadora do Laboratório de Pesquisa, Extensão e Ensino Design Contemporâneo (LabDesign) e Líder do Grupo de Pesquisa em Design Contemporâneo: sistemas, objetos, cultura. Possui pesquisas em diversas áreas do Design e atuou no mercado profissional nas áreas de Design de interiores, de mobiliário, gráfico e de moda.

Ela comenta sobre a necessidade de uma atuação mais inclusiva do designer na moda – e nas mais diversas áreas do Design – para uma contribuição mais efetiva para a sociedade. Também discorre sobre a cobrança que existe a respeito da mulher em casar e ter filhos, e como isso afeta a carreira profissional feminina.

Mônica Moura_

"Tudo indica que a gente está chegando no esgotamento do planeta, das relações, todas essas questões tem que ser repensadas, e uma delas é a moda."

"E uma coisa muito importante é que não é uma guerra que se estabelece, e nem a gente tem que trabalhar com essas dicotomias, um contra o outro, não é isso, mas sim observar o que que acontece, como isso pode se estruturar, e como isso pode ser discutido e inserido na educação e na formação."

Vimos uma pesquisa sua sobre Design e Moda na busca da Inclusão social na contemporaneidade, como discutir inclusão social em um meio que costuma ser tão excludente quanto a moda? E o que você acha que já tem mudado?

 

Realmente, se a gente for pegar tradicionalmente a área de moda, mas, também a área de Design, se a gente for pensar bem, são áreas excludentes. Elas vão ter crescimento mediante ao capitalismo e o que a gente percebe – que muitos teóricos vão tratar – é justamente esse consumismo exacerbado e, sem dúvidas, são áreas que estimulam isso.

 

Hoje, tanto se fala em coleção de moda quanto se fala em uma coleção de mobiliário, de objeto, e assim vai... Mas, eu acho que justamente porque a gente está chegando – se é que a gente já não passou né – mas, tudo indica que a gente está chegando no esgotamento do planeta, das relações. Todas essas questões têm que ser repensadas, e uma delas é a moda. Ok, sempre vai existir uma produção voltada ao luxo – até porque a gente tem essas diferenças sociais e econômicas na sociedade como um todo – mas, a grande massa e a grande maioria não está nesse universo do luxo, e ai são papéis fundamentais, tanto do design como da moda.

 

E eu faço um parênteses aqui pois, eu entendo moda como design, mas, eu vejo que essas áreas todas que são áreas de criação, que são áreas que crescem com a questão da contemporaneidade, todas essas áreas relacionadas à cultura, à expressão criativa, às indústrias criativas, elas têm um crescimento nessas últimas décadas. Por isso, acho que é fundamental essas áreas se voltarem para a questão da inclusão – e não só a inclusão pura e simplesmente – mas, de ter uma atuação muito mais política e pensando muito mais nessas diferenças sócio-econômicas e como essas áreas podem contribuir, de fato, para essas diferenças.

 

A questão da moda, tem mudado? Tem, algumas coisas, não é a maioria, infelizmente. Mas, chegou um momento em que eu já fiz uma seleção: eu vou olhar pra essa área da moda que trabalha com uma preocupação social/cultural muito mais determinada, porque a outra área – essa que estimula o consumo – não me interessa tanto; essas questões sazonais, estilo, não é o que me interessa.

Então, com relação à inclusão social, um trabalho mais voltado à sociedade, a gente tem visto iniciativas desde a própria moda que se denomina inclusiva: que é pensando nas pessoas com as mais diversas deficiências – até mesmo trabalhos que vão eleger algumas comunidades e ajudar a dar poder a essa comunidade, a dar outras saídas financeiras, econômicas, políticas para essa comunidade, como eu acho, por exemplo, que é o trabalho que a Fernanda Yamamoto faz. Na semana passada, ela apresentou, na SPFW, todo o trabalho que ela fez com a comunidade Yuba – uma comunidade de Mirandópolis, que mantém a tradição japonesa e uma cultura relacionada à arte e ao cultivo da terra – então, é um ponto importante: um desfile na SPFW vai dar essa visibilidade. É um investimento da estilista, da designer de moda; e também um trabalho que eu acho que é muito importante da Fernanda, é colocar na passarela as mulheres “comuns”, ou seja, nesse desfile ela traz, entre as modelos profissionais, as mulheres dessa comunidade Yuba, sem distinção de idade, gênero, ou coisa parecida.

 

Por outro lado, nós temos trabalhos como o que a gente conseguiu fazer aqui do João Pimenta, que foi um desfile que chamamos de “moda total”: não teve distinção nenhuma de pessoas – nem por seu porte físico, nem por sua cor, nem em sua atuação com relação a gênero – quer dizer: incluiu todas as pessoas que estavam interessadas. Naquele momento, o designer teve que desenvolver uma coleção inteira específica para aquelas pessoas – porque não estava dentro de um padrão que se trabalha comercialmente normalmente – e ele aceita o desafio e quase que cria uma ópera com os mais diversos personagens e personalidades e integra tudo isso em um conjunto. Acho que está aí o papel de um designer: nesse sentido de como é que ele vai olhar pra essa sociedade, como ele vai contribuir efetivamente para essa sociedade.

 

Estávamos vendo sobre os cargos de liderança, e existe uma pesquisa realizada pelo 3% movement que diz que, embora esse número tenha crescido, apenas 11% das líderes da indústria criativa são mulheres, e no ramo da moda esse número se repete. O que você pensa sobre isso?

 

Eu penso que é uma situação terrível, e que a gente espera que isso mude nos próximos anos e nas próximas gerações, porque, se formos olhar, a grande base dessas indústrias é feminina. Quando a gente vai levantar, por exemplo, o número de costureiras, de designers mesmo que vão trabalhar no projeto das peças, dos produtos, a maioria é mulheres, e quando chega em cargos de liderança essa presença diminui tremendamente. Então, o que que acontece que essa pirâmide fica invertida?

 

Eu acho que falta aí todo um trabalho bem direcionado às mulheres: tanto em termos de autoconfiança, de liderança em todos os seus aspectos, de gestão, de empoderamento. Na verdade, dar poder mesmo para essas mulheres e dar voz. Infelizmente, esse retrato que a gente tem nessas áreas criativas está presente em várias outras categorias, e várias outras profissões e locais.Isso é uma coisa importante pra gente olhar também.
 

A gente acredita que esse número tenha bastante relação com a responsabilidade atrelada à mulher perante a instituição familiar, de casar, ter filhos, etc. Olhando para sua geração, quais são as problemáticas que isso pode acarretar na carreira profissional feminina?

 

Eu acho que acarreta vários problemas. A gente viveu um momento que era justamente essa ruptura desse padrão que se estabelecia. Então, muitas mulheres da minha geração não se casaram, e não quer dizer que não tenham um companheiro, um namorado ou um marido – nesse sentido de que convive com alguém sim – mas não seguiram as regras estabelecidas de um casamento que se vinculasse ou em termos legais, ou em termos religiosos.

 

Muitas mulheres, também da minha geração, não tiveram filhos: optaram, muitas vezes, pela profissão do que exatamente pelo papel de mãe, até porque, existe uma questão familiar que ela já se dá independentemente de ter filhos ou não. A presença da família já é uma coisa muito forte e, sem dúvida – acho que, inclusive, por um perfil do próprio feminino – há um olhar da mulher muito mais atento nessa questão da própria família. A mulher é muito mais maternal no sentido de acolher os amigos, as amigas. Você percebe isso desde criancinha – normalmente a menina já traz esses traços – sem dúvida, que é uma questão cultural.

 

Mas, eu convivi com uma geração, após a primeira fase do movimento feminista, que isso ficava muito claro: as mulheres primeiro se separaram (quem era casada, começou a ver outras perspectivas), e a geração após essa primeira fase, que é a que eu pertenço, assumiu, muitas vezes, postos de comando, mas, muitas vezes, também abdicaram desses “postos de comando”. Até porque, existe uma rede estabelecida, um engendramento que é muito cruel nesses “postos de comando”, e que vai contra a visão ideal que você tem. Acho que, nesse sentido, as mulheres são muito mais idealistas, e muitas vezes, é um pensamento contrário só à questão financeira, só ao valor de qual é o salário, ou de ter posses. Muitas vezes, vai muito no sentido de uma realização pessoal, e nesses cargos de maior poder nem sempre a relação se dá por ai: é uma relação muito cruel de mercado, de ganho financeiro, que vai frontalmente contra essa visão.

 

Sem dúvida, nós, as mulheres da minha geração, enfrentamos essas questões e hoje nós temos visto como muitas delas que tiveram cargos de poder abdicaram desses cargos. E outras, justamente pela carga tripla ou quádrupla de trabalho – porque é o trabalho, a família, de modo geral; quem tem filhos, os filhos; aí o cuidado que tem que ter consigo mesma (vamos lembrar que isso toma um tempo maior, a mulher se cuida mais, inclusive, no sentido médico, clínico, de ter uma atenção maior com a sua saúde) – tudo isso leva tempo e, então, essas pessoas muitas vezes não chegaram a esses cargos ou por não acharem tão importante – o que não acho que é uma dádiva, não é um elogio – ou por realmente optarem por uma vida mais voltada a essas questões familiares e não ter que assumir essas problemáticas (...).
 

Acho que hoje isso já começa a mudar, mas, por exemplo, é muito complicado você ter que abdicar de uma reunião, de uma decisão importante, se você tivesse um compromisso com a família, ou um filho doente para atender, e isso era um contraste, quase uma coisa negativa, quase que vc olhar e falar “ah, isso porque é mulher, se fosse um homem.. não teria esse problema”. Acho que esses papéis estão mudando. Felizmente, os homens também estão assumindo outros papéis mais familiares mesmo: um cuidado maior com a família – uma coisa que a gente não via muito aqui no Brasil – e isso está se modificando a passos lentos, mas está.

 

E, por outro lado, as mulheres estão atentas mais a isso, que outras relações podem ser construídas. Eu acho que, na verdade, as mulheres não querem construir relações de poder, no trabalho, sobre as bases que foram construídas nas instituições aqui no país. Tanto é que, agora, estamos vendo só um lado delas, que é a questão de corrupção, desses jogos de poder que se dão em todos os âmbitos (na universidade, no trabalho em uma grande empresa). É muito diferente se você tem seu próprio escritório, mas, se você for trabalhar em uma empresa, isso também vai se estabelecer. Enfim, quantas vezes eu trabalhei em equipes que eram basicamente masculinas, então, como isso, também aos poucos vai mudar, espero.

 

E qual é a importância de levar essas discussões para o ambiente da universidade?

 

Acho que de fundamental importância. Aliás, não só na universidade: eu vejo que todo processo de formação é muito importante. Desde a primeira infância isso tem que começar a ser discutido nas escolas, passando por todo o processo de formação, e especialmente, é claro, na universidade, que você tem um campo muito mais aberto.

 

Como é essa questão de atuação; como se dá a assinatura dessas coisas; como a gente se refere a esses profissionais; acho que isso também é uma coisa importante da gente lembrar. Muitas vezes a gente fala assim: “ah, o autor”; ou se vê um autor de um texto e na hora se atribui que aquele autor é um homem, e quando vai ver, muitas vezes, é uma mulher, é porque está sendo trabalhado o sobrenome apenas.

 

Eu falo que, ultimamente, adotei uma postura que é, cada vez que for uma autora mulher vai vir o nome e sobrenome, para deixar claro que é uma autora. Ou, muitas vezes, seguir já explicando essa autora, porque são pequenas coisas que parecem que, no geral, não têm importância, mas elas têm sim.

 

Vejam, na história da arte a gente vê pouquíssimas mulheres, na história do design idem. Então, eu acho que a gente tem que ter o espaço para essa discussão e para formação dessas mulheres para cargos de liderança e poder – o que não quer dizer que os outros cargos não sejam importantes – mas, acho que temos que tornar mais igual essa balança desencontrada que é: muitos homens em cargo de poder, muitas vezes, com equipes formadas por mulheres. Então, quem lhe dá respaldo por esse cargo é uma equipe formada por mulheres. E uma coisa muito importante é que não é uma guerra que se estabelece, e nem a gente tem que trabalhar com essas dicotomias – um contra o outro – não é isso, mas sim, observar o que que acontece, como isso pode se estruturar, e como isso pode ser discutido e inserido na educação e na formação.

 

E são atitudes: desde trazer mulheres que dêem depoimentos, mulheres profissionais, para ter espaço na universidade para se ouvir falar, para se ter como referência. Acho que isso é uma questão de super importância que se dá hoje e isso é o que vai possibilitar que esse cenário mude também.

 

Você já vivenciou alguma dificuldade/impedimento/fragilidade por ser mulher dentro dos

seus trabalhos?

 

Já, muitas vezes. E é sempre uma relação muito complexa, porque você passa a perceber e, muitas vezes, a pessoa não precisa nem deixar muito claro, mas você passa a perceber que a pessoa está lidando com você falando assim “ah, isso porque é uma mulher”. Já enfrentei algumas situações dessas na minha vida profissional.

 

Estamos fazendo um levantamento histórico de mulheres designers no Brasil, e queríamos saber se você pode nos falar alguns nomes que você destacaria e que gostaria que tivessem mais reconhecimento.

 

Algumas delas já são bem reconhecidas mas eu vou citar, por exemplo, a Fernanda Sarmento, da área de Design Editorial, que tem um trabalho muito bacana e importante. Adélia Borges, que também já tem um reconhecimento. Maria Helena Estrada, que foi uma jornalista que faleceu recentemente, e que foi uma mulher muito importante na história do Design Brasileiro, principalmente dos anos 90 pra cá – dando mais importância pro design contemporâneo – e teve uma das primeiras lojas-conceito (que era uma galeria), e expôs os Irmãos Campana pela primeira vez; fundadora da revista Arqdesign, que durou anos no Brasil, e falava do Design de uma maneira muito séria.

 

Marili Brandão, que também foi muito importante na medida em que ela organizava um evento que chamava-se “O Brasil faz design”, e levava os jovens designers brasileiros para a exposição em Milão – e isso começa a dar uma visibilidade. Em termos de Design de informação, a gente tem a Carla Spinillo; na área de sustentabilidade temos a Cyntia Malaguti. A Maria Cecília Loschiavo, da USP, que, inclusive, fez ano passado alguns encontros que discutiam sobre Design e feminismo, que é um tema super importante de ser discutido – um trabalho como o de vocês, em 8 anos que eu estou aqui na UNESP, não tinha visto ainda com essa temática – então, isso é muito bom de estar acontecendo.


Solange Coutinho, Virgínia Cavalcanti, que são de Pernambuco. Em Minas Gerais, tem todo um trabalho desenvolvido pela Lia Krucken sobre Design e território. Rita Engler, de Minas também. Na área de joalheria temos Miriam Korolkovas, que é a papisa do Design de joalheria contemporânea, e é interessante observar que nessa área tem um grande número de mulheres, e que nem sempre essas mulheres estão em grande destaque assim. A Miriam é embaixatriz brasileira da joalheria contemporânea, esses cargos são importantes, em assumir associações, representações, entidades de classe, é um papel de super importância quando a mulher vai à presidência desses locais. Renata Meirelles, Miriam Pappalardo, que são designers que tem o trabalho muito diferenciado também. Temos a Gisela Schulzinger, presidente da associação ABRE. São muitos nomes, e muitas mulheres atuando e que não tem o destaque que deveriam.

2018 Projeto D.elas: Projeto de conclusão de curso - Faculdade de Artes Arquitetura e Comunicação UNESP

bottom of page