top of page

Fernanda é a atual Vice-Diretora da FAAC (Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp-Campus Bauru), foi coordenadora do curso de Design, também na Unesp, e é líder do Grupo de Pesquisa Design Gráfico Inclusivo: audição, visão e linguagens (parceria entre a UNESP e a USP). Conversamos sobre ser mulher e estar em um posto de liderança, e como os meios de comunicação têm influenciado na luta para a igualdade de gênero.  

fernanda henriques_

"Todos nós – mulheres e homens – fomos criados em ambiente machista e isso faz parte da sociedade brasileira."

Em uma pesquisa realizada e publicada pelo 3 percent movement, diz que, mundialmente, apenas 11% das líderes da indústria criativa são mulheres. Você sendo atualmente Vice-Diretora da FAAC e já tendo sido Coordenadora do curso de Design na UNESP, chegou a sofrer algum tipo de machismo realizando esses papéis? Como foi a sua trajetória?

 

Realizando esses papéis, sofri pequenos “micromachismos”, nunca nada muito acentuado, mas, já vi assim: quando a gente recebe aqui alguns convidados de fora, a pessoa não me cumprimenta, cumprimenta só o Diretor. Eu tive um Assessor, o Fernando, então muita gente achava que o Fernando era o Vice-Diretor e eu era a Assessora dele. Então, assim, são pequenos “micromachismos” das pessoas elogiarem a minha aparência, e aí de uma certa forma colocam isso como se eu estivesse nessa posição por causa da minha aparência – isso vindo de pessoas mais velhas.

 

É interessante ressaltar que, na gestão, eu tive esses pequenos machismos, mas na minha vida e carreira eu tive vários grandes. Até teve um caso que, por muito tempo, eu nem sabia que havia sofrido um assédio e, só recentemente, com essas discussões sobre feminismo, que eu percebi pelo que eu passei e nem havia percebido. Eu trabalhava em uma outra faculdade no Ceará e queria ir para São Paulo fazer o mestrado – eu tinha feito minha especialização lá e queria fazer meu mestrado em São Paulo. Eu fui falar com o meu Diretor pedindo um afastamento sem remuneração, e o que ele me disse foi que eu não precisava trabalhar se eu não quisesse – pois mulher bonita não precisa trabalhar e estudar – o que eu precisava era achar um cearense bom, que me sustentasse, um cearense mais velho – e eu falei que gostava de trabalhar, de estudar, sem reação, só querendo que ele assinasse o meu documento e me liberasse sem remuneração. Esse é um dos momentos de machismo que depois de muito tempo me caiu a ficha, mas tiveram vários outros durante a carreira.

 

Na gestão, a gente pode perceber que tem uma mudança, e isso é muito positivo. O fato de eu estar aqui, ter ido para a coordenação e nunca ter sido questionada pelos meus pares: isso, para mim, é uma grande mudança. Mas, uma coisa que é interessante pensar é que a FAAC só teve uma Diretora mulher, e a FEB (Faculdade de Engenharia), por exemplo, nunca teve Diretora e nem Vice-Diretora. Então, é uma coisa que a gente está mudando, mas ainda temos o machismo sim.
 

Você vê alguma diferença entre a gestão de mulheres e homens?

 

Eu acredito que não deveria ter. Creio que, se tem, é por conta da nossa criação: fomos criados em um ambiente machista, não tem jeito. Todos nós – mulheres e homens – fomos criados em ambiente machista e isso faz parte da sociedade brasileira. Então, a gente reflete um pouco disso e na própria forma de como a gente trata o semelhante: talvez, de uma forma mais maternal e afetuosa, mas, acredito que pela criação, e não pela genética. Então tem, mas não deveria ter.

 

Sabendo que as mulheres designers não têm a mesma visibilidade que os homens, qual a importância de discutir essa problemática dentro da universidade?  

 

É fundamental. Eu tenho tentado direcionar quase todos os meus TCC’s e trabalhos, de alguma forma, para o tema da inclusão – desde inclusão física (já trabalhei com disléxicos, daltônicos, baixa visão) – mas, principalmente, também com essas diferenças de racismo e feminismo, tenho trabalhado bastante com essa parte de inclusão social. Então, eu acho que a gente tem que debater. A universidade é um espaço de ideias, a gente tem aqui a nossa bolha e, é lógico que quando a gente sai, a sociedade é um pouco diferente Mas, se a gente levar isso um pouco para ela, nós vamos espalhando essas pequenas bolhinhas por aí. Acredito que a gente tem esse espaço aqui – um espaço muito amplo, muito aberto – e a gente tem que direcionar cada vez mais mesmo para que se fale sobre isso.

 

Como você acha que é possível tratar desse tema sem cair em um espaço discriminatório ou sexista?

 

É muito difícil, né? É uma coisa muito delicada, a gente tem que ficar pensando o tempo inteiro, e também é um exercício de não fazer só pelos chavões ou só pelo radicalismo. Eu já pensei bastante sobre isso: às vezes, nós temos essa tendência de gritar ou fazer um enfrentamento um pouco mais forte que, talvez em alguns momentos, sejam importantes, mas ele não é muito educativo.

 

Vou fazer uma comparação um pouco maluca: eu gosto de animal – eu gosto de gatinhos, de cachorrinhos – e, então, eu vejo que quando tem postagens de animais estraçalhados, animais que sofreram maus tratos, as pessoas tem uma repulsa e isso não é educativo: as pessoas simplesmente bloqueiam essa informação. Mas, se você mostra isso de uma outra forma tipo: “Olha, veja só como era o animal antes e agora que ele foi resgatado, como ele está bem,” você vai fazer de uma forma mais educativa – talvez demore muito mais, mas talvez seja mais eficiente, porque não espanta ninguém.

 

Existem pessoas que não consideram nem a palavra machismo, falam que não existe e que não vão discutir a partir desses termos: machismo, feminicídio – não se discute isso, porque a pessoa tem repulsa, porque as pessoas imaginam a feminista como um extremo. Então, temos que pensar que dentro desses extremos existe um meio, e chegar nele é o mais difícil, mas, seria o mais importante.

 

É notável a importância dos meios de comunicação para a difusão de ações que diminuam o cenário de desigualdade. Na sua perspectiva, como utilizar desses meios,  hoje, na construção social da figura da mulher?  

 

Meios de comunicação são vários, e eles vão mandar tanto de um lado, quanto do outro. Eu saí recentemente do Facebook, porque, para mim, lá é um poço de ódio e de radicalismo dos dois lados – de quem vai contra e de quem vai contra o outro – das polaridades. Então, o que esses meios de comunicação também não estão fazendo para criar uma cisão ainda maior?

 

Esse é um problema, vejo assim: você vai escolher um filme para assistir – esse é um meio de comunicação, um meio de massa muito bem aproveitado – cada vez mais a gente vê filmes que, de uma certa forma, empoderam a mulher, colocam a mulher no centro do debate ou colocam a mulher não como aquela figura frágil que precisa ser resgatada – ainda que existam muitos filmes ruins, a gente tem esses que começam a trabalhar um outro ponto, de uma maneira educativa e não de uma maneira radical.

 

A gente precisa ver quais meios de comunicação são esses. Cada um vai trabalhar de uma maneira e aí sinceramente eu não sei: porquê rede social é uma coisa que a gente tem que repensar bastante de que maneira a gente está conversando e dialogando com o outro.   

 

Acho que é legal ver algumas propagandas de hoje em dia que mostram a mulher, não como dona de casa ou cuidando dos filhos, mas, de outra forma. Nesse sentido achamos importante esses meios de comunicação.

 

Sim, e quando tem alguma manifestação machista desses meios as redes sociais levantam e apontam: “Olha só o que foi feito! Olha que absurdo isso!” E esse ponto é legal, porque tem uma “curadoria”, assim, vamos dizer. Mas, ao mesmo tempo, vocês lembram daquele case*, daquela loja de móveis? Que, ao mesmo tempo que eles fizeram uma propaganda muito machista e as pessoas apontaram, vieram os defensores da propaganda e eles ficaram mais famosos por conta disso. Da mesma maneira que pode ter empoderado, também empoderou aquelas pessoas que são contrárias à igualdade de gênero, então empodera os dois lados, é difícil.

 

*Uma campanha iniciada nas redes sociais pela marca de móveis de aço inox Alezzia causou a revolta do público quando a empresa resolveu publicar algumas imagens de mulheres com maiô ou biquíni anunciando seus produtos, em um contexto bem complexo de se entender.

 

Na nossa sociedade existe uma responsabilidade atrelada à mulher perante a constituição familiar, casar, ter filhos, etc. Que problemáticas isso pode acarretar para a carreira profissional feminina?

 

Bastante, bastante. A gente estava conversando antes que quando eu mudei para Bauru, (eu sou de São Paulo) achei que fosse sofrer muito preconceito e discriminação por ser solteira e não ter filhos. Por se tratar de uma cidade do interior – e eu tinha uma visão um pouco diferente do que era uma cidade do interior, achava Campinas uma cidade muito pequena, então imagina só mudar para Bauru – foi um pouco de pânico que passei. Achei que iria sofrer muita discriminação, mas, quando cheguei no departamento de Design eu vi que isso não era um problema, pois são poucas as mulheres que estão casadas e têm filhos no nosso departamento.

 

Se a gente for reparar, quase todas as professoras que estão no departamento ou são separadas, ou são casadas e sem filhos. Então, até que ponto elas tiveram que abdicar disso, né? No meu caso foi escolha, pois nunca tive o instinto maternal de ter filhos, nunca pensei nisso, mas, eu sei de muitas que tiveram que abdicar, pois você tem que fazer uma escolha mesmo. Talvez se eu tivesse sido casada e com filhos eu não estaria na vice-direção, provavelmente, pois a exigência que tem aqui tira um pouco da vida pessoal.

 

Até que ponto o meu marido entenderia, se eu tivesse filhos, ou até que ponto eu não me sentiria culpada de largar os meus filhos para poder me dedicar mais ao trabalho. Eu faço com muito prazer, mas, se eu tivesse em uma outra situação não sei até que ponto eu teria que pensar sobre isso.

 

Então, lemos bastante sobre o fato de que homens, quando saem para o seu trabalho ou ficam muito tempo longe, não sofrem essa pressão social sobre precisarem ficar com os filhos, como existem com a mulher. Essa culpa cresce dentro de nós pela cultura em que vivemos.  

 

É, e quando quando acontece alguma coisa com a criança, com o filho, nunca falam assim “onde estava esse pai que não viu isso?” É sempre “onde estava essa mãe que não viu isso?” Eu já vi falarem assim também: “Ah, mas quem cria homem machista é a mulher, é a mãe.”

 

E a mãe cria sozinha, não cria com o pai? Então, tudo sempre cai (até mesmo quando é machismo) em cima da mulher. E essa culpa mesmo de não estar perto, não estar criando, eu não sei, mas eu acho que seria muito difícil, se eu tivesse filhos pequenos, poder me dedicar o quanto eu me dedico à profissão. Talvez a minha personalidade faria isso de qualquer jeito, é impossível saber. Mas, é possível saber só vendo a quantidade de Diretoras e Vice-Diretoras mulheres que tivemos aqui na FAAC.

 

Quais mulheres designers você destacaria na história do design?

 

Posso falar mais na área do design gráfico e um pouco das mais contemporâneas. Vale a pena falar da Lucy Niemeyer – acabo falando mais das pesquisadoras, porque também é o ambiente em que eu trabalho. Priscila Farias; Marina Chaccur (que é calígrafa); Andréa Branco (que não é designer, mas é calígrafa e é uma pessoa que eu tenho bastante admiração); Andrea Kulpas, que foi aluna daqui. São todas na área de tipografia, mas valem a pena ser mencionadas.

"Quando acontece alguma coisa com a criança, com o filho, nunca falam assim “onde estava esse pai que não viu isso?” É sempre “onde estava essa mãe que não viu isso?”."

2018 Projeto D.elas: Projeto de conclusão de curso - Faculdade de Artes Arquitetura e Comunicação UNESP

bottom of page